Sentadas uma ao lado da outra, jogando
conversa fora e, por vez ou outra, soltando uma bela gargalhada. Pra quem vê,
nem parece que estão em um jogo de futebol. A explicação pode partir de que a
novidade ficou pra trás; elas já viram muito mais que dois ou três, mas
rejuvenescem sua torcida a cada vez que o time entra em campo, fazendo daquela
partida, o evento mais importante do final de semana. Com astral inconfundível,
são torcedoras de verdade. Está escrito em suas linhas de expressão.
Na tarde de domingo, tudo estava
diferente. Tudo mais próximo. Pelo frio e pela chuva, o torcedor foi compactado
no pavilhão social do estádio. Como de praxe, a banda fez a festa do outro
lado, sacudiu a poeira e embalou as ações ofensivas do time. O adepto mais
contido se manifestava com discrição. Nas cabines, os jornalistas atentos em
transmitir a emoção das quatro linhas para quem está em casa, ou na companhia do
bom e velho radinho. Mas quem estava verdadeiramente em casa, eram elas: as
senhoras do Leão, que promoviam ali no centro o que eu ouso chamar de “Chá do
São Paulo” pela cadência de seus olhares.
Contra o ditado do “Quem não é
visto, não é lembrado”, é impossível subir os degraus da arquibancada e não
reparar no jeito pacato com que vibram a cada lance. Foi assim desde o início,
quando Dudu Mandai resolveu testar seus corações frágeis com um chute forte em
direção ao ângulo da goleira adversária. Não foi desta vez. Comentários depois,
ele errou de novo, mas o Capitão apareceu e fez a felicidade do povo inteiro,
marcando talvez só mais um dos tantos gols que elas já assistiram, mas é
notável que hoje tudo está melhor no ambiente da Linha do Parque.
Já os enfeites, são ignorados, elas
também apreciam o jogo objetivo e cultivam as características do interior. Falo
do “Charmoso Gauchão” bem jogado, apesar de estarmos falando de uma partida
válida pela já tradicional Copinha. Detalhe mal lembrado quando a bola cai no
pé do nosso camisa 10. Athos encontra fácil o centro avante Jean Carlos, e
assim nasce o segundo gol, brigado na pequena área pelo próprio Mandai, que
completou de cabeça e ficou no chão. Sem demora, levantou e ergueu os dois
braços ao melhor estilo “heróis do passado” - uma nostalgia diante à carência
de ícones que vivenciamos atualmente. Por um momento, o goleador é o xodó das
senhorinhas. Logo ele que já caçou até animais dentro de campo e elas viram
tudo isso. Sobrou espaço até para rir bastante do massagista e seu Jiu-Jitsu
mal apurado para tratar do atacante fora do gramado.
Em uma subida ou outra, o
adversário é desconcentrado aos gritos de “perna de pau” e zoações deste tipo,
assim como o juiz principal, sua mãe e os alguns quilos de gel fixador nos
cabelos do quarto árbitro. As defesas do goleiro, as opções de mudança do
treinador... Nada escapava do olho clínico e já experiente daquelas senhoras.
Um café no intervalo, a volta para o segundo tempo e até mesmo as tentativas
frustradas de ampliar o placar, não tiraram o sorriso do rosto daquelas
pessoas. O dia estava cinza, mas o placar era bonito demais para desanimar. Apito
final, vitória, liderança momentânea e ainda mais alegria.
Diante de tantas observações, a
velhice nos apresenta, por um momento, a recusa de um olhar negativo, deixando
a impressão da verdadeira juventude: aquela que é vivida pela sua essência, e
não apenas pelos seus benefícios físicos e mentais. Junto à única certeza da
vida, abro parênteses: sentiremos falta quando a roda de amigas não mais
estiver por ali, representando com fidelidade exemplar as cores do Centenário
Sport Club São Paulo. Não fecho parênteses.
Lucas dos Santos Martins
dg.lucasmartins@gmail.com
Obs.: Nenhuma ocasião melhor para salientar a presença de uma camisa do Juventude entre as cores rubro-verdes. A parceria
entre torcidas organizadas é uma grande arma para a pacificação nos estádios.
Contribua para isto!
Lucas, morando longe de Rio Grande agora, pude enxergar essas senhoras. Possivelmente minha tia dentre elas, cabelos de algodão e uma risada discreta a cada comentário das colegas. E com muito mais saudade, vejo também minha mãe, falecida há pouquissimo tempo, que certamente não era das mais comportadas do grupo, mas sua gritaria embalava o time com a mesma força de uma charanga inteira e assim ela foi até o fim; seguiu fardada e com a bandeira em sua derradeira viagem. Essas senhoras são um patrimônio cultural que o clube tem, elas e suas histórias. Sentiremos, sentimos saudades. Mas antes das saudades, cabe a homenagem (como essa aqui) e escutarmos elas, vermos o futebol e as cores "verde e encarnado", como dizia minha saudosa dinda, outra torcedora remida do Sampa. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirDiante do computador não vi palavras, mas, imagens... belo texto! Parabéns!
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